Após nascer e se consolidar num ambiente sem nenhuma ajuda oficial, empreendedores precisam investir em tecnologia e buscar competitividade
Vista aérea do Moda Center Santa Cruz do Capibaribe na segunda 8 de dezembro, quando recebeu 150 mil pessoas
Inailson Gomes/divulgação
Depois de provar a força empreendedora do homem do interior, o segundo maior Polo de Confecções do Brasil, no Agreste, tem um novo – e grande – desafio: profissionalizar-se. Com um faturamento anual bruto próximo de R$ 1 bilhão, segundo o Sebrae, quase 19 mil unidades produtoras empregam 130 mil pessoas em 10 cidades de Pernambuco. Três se destacam e são responsáveis por 70% da produção: Caruaru, Toritama e Santa Cruz do Capibaribe. Num mês de dezembro, a visita a essas localidades numa segunda, dia de maior movimento das feiras, é de impressionar – a começar pelo engarrafamento. Não precisa muito para verificar como é feita a maioria das peças: quase toda casa tem máquina de costura. Graças às chamadas facções, que desenvolvem partes do processo produtivo, famílias inteiras encontraram uma maneira de fugir da seca – praticamente não há desemprego nessa região. Mas muitas ainda atuam na informalidade, sem acesso a qualificação e, portanto, distantes da inovação. Nos próximos anos, o fator preço pode não ser suficiente para concorrer com a difusão de grandes varejistas no interior, a invasão asiática e outros polos que começam a se estruturar no País, como em Sergipe e no Piauí.
A família Silva ilustra bem como as coisas funcionam por lá. Jane, uma das três filhas, é dona de uma facção num pequeno galpão no município de Taquaritinga. Semanalmente, nesta época do ano, ela recebe 2 mil peças de um empresário que comercializa os produtos acabados numa das mais de 10 mil operações do Moda Center Santa Cruz do Capibaribe, a poucos quilômetros dali. O tecido chega à casa dos Silva apenas cortado no formato da peça (geralmente camisas). A mãe fica responsável por colocar a abertura. Uma das irmãs, a gola. E a outra, unir a frente às costas. Daí a peça, que rende R$ 1,20, segue para ser acabada na facção. No Moda Center, é vendida a R$ 10 (adulto) e R$ 7,90 (infantil). O pai já foi costureiro também, mas recentemente abriu uma pequena oficina no terraço de casa. “Se recebêssemos um pouco mais, seria melhor. Mas hoje temos que dançar conforme a música”, dizem.
É graças à confecção que a família tem casa, comida e TV com DVD na sala. Mas são pessoas que ainda não contam com folga semanal e férias remuneradas, 13º, aposentadoria, FGTS, licença-maternidade. A informalidade atinge 93% das facções e 66% das empresas. Como diz Mário César, responsável pelo projeto de melhoria da competitividade industrial do Sebrae Caruaru, “a dinâmica do polo é complexa e bem particular”. Ele lembra que a formalização esbarra também na questão cultural. Além disso, qualificar a mão de obra mais antiga, operante e de baixa escolaridade é missão difícil: “Por que parar de trabalhar para estudar se aprendi a costurar com minha vó?”. Inovar custa caro, requer pesquisa e desenvolvimento, não apenas maquinário. E aí, se não há inovação, não se ganha competitividade – ainda mais quando se tem uma alta carga tributária e estradas precárias e inseguras.
“Se você analisa os aspectos estratégicos, eles pouco se alteraram na última década. Ainda existem no polo as mesmas carências estruturais”, diz o diretor-executivo do Instituto Fecomércio de Pernambuco, Oswaldo Ramos. Quem vende nas feiras já sente uma retração nos negócios – puxada também pela conjuntura econômica desfavorável. Em Toritama, por exemplo, segundo pesquisa da Fecomércio, alguns empresários estimam queda de 11% nas vendas de fim de ano na comparação com 2013.
Na estrada, assaltos e engarrafamentos
Na primeira segunda de dezembro, dia 1º, depois de comprovar o trânsito caótico da entrada de Toritama, justamente onde termina a duplicação da BR-104, a reportagem do JC levou mais de uma hora para percorrer 12 km da PE-160, do entroncamento com a BR-104 até o Moda Center de Santa Cruz. Ao questionar diversos lojistas no condomínio sobre o que mudariam na região, as repostas foram quase unânimes: a estrada. Sem uma infraestrutura logística eficiente – e à altura da grandiosidade –, fica difícil apostar num sustento de longo prazo. Somente no feriado do último dia 8, o Moda Center recebeu 150 mil pessoas. Bateu recorde histórico de público.
São 120 mil m² de área construída, num espaço de 32 hectares, abrigando 10,3 mil pontos de venda, rede própria de hotéis e seis praças de alimentação. É o maior centro atacadista de confecções do Brasil. “Pelo menos 20% dos municípios pernambucanos possuem empreendedores no condomínio. É como se uma em cada cinco cidades do Estado tivesse um comerciante no parque”, calcula o ex-síndico Valmir Ribeiro, no cargo por quatro ano. O mix de produtos inclui de itens populares a artigos mais trabalhados, com 75% das 850 milhões de peças comercializadas no Nordeste e pouco mais de 12% na Região Sudeste, com destaque para Minas Gerais e Espírito Santo.
A duplicação da BR-104 – onde com frequência acontecem assaltos – é promessa antiga. Começou em 2009. Segundo o secretário de Infraestrutura do Estado,João Bosco de Almeida, o trecho entre Toritama e a divisa com a Paraíba será licitado no início de 2015. “Ainda não se sabe se por nós ou pelo Dnit”, pontua. O investimento ficará perto de R$ 300 milhões. Já a PE-160, no valor de R$ 64 milhões, teve início no meio ano ano, mas está com as obras paradas, devido, de acordo com o secretário, ao fechamento da gestão. Será retomada em janeiro, com previsão de conclusão em um ano.
“Hoje temos uma dificuldade grande de acesso. Clientes que conquistamos com muito esforço são prejudicados com horas de engarrafamento”, comenta o atual síndico do Moda Center, Allan Carneiro. “Também carecemos de estrutura no acesso a água. Passamos meses sem receber água e precisamos recorrer a caminhões-pipa”, acrescenta. Na visão dos empresários, se houvesse uma intensificação do acesso à informação, mais parcerias, orientações e divulgação por parte do Estado, o Polo estaria dando passos ainda maiores. “Ainda sofremos com resquícios de informações distorcidas. Muita gente acha que a produção aqui não tem qualidade. O que não é verdade. Atualmente competimos com outros gigantes, como São Paulo”, reforça Carneiro.
O diretor adjunto da Unidade do Agreste da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe), João Bezerra Filho, reforça a pujança do Polo, mas compara: “os investimentos em outras áreas muitas vezes são bem maiores para uma distribuição de renda muito menor. Com mais apoio, as confecções no interior podem ter um custo-benefício ainda mais vantajoso”.
Saiu na TV, já está na prateleira
O Polo de Confecções se destaca no fast fashion. A tendência que aparece hoje nas novelas pode ser rapidamente reproduzida. Há empresas com produção quinzenal de coleções. É aí que os negócios conseguem concorrer com a China, de onde os produtos demoram até chegar ao Brasil. Por outro lado, as peças asiáticas muitas vezes entram no País ilegalmente e terminam ficando mais baratas. Os maiores compradores do Polo continuam sendo sacoleiros e pequenos e médios lojistas. Por lá, ninguém acha muito vantajoso fechar negócio com grandes magazines, que pedem exclusividade e não dão garantia de renovação de contrato.
Um outro gargalo que pesa é a falta de mão de obra. Quem tem uma pequena facção reclama que é difícil encontrar costureira. Muitos jovens não querem mais costurar, preferem atuar na área técnica ou administrativa. Por falta de “operadoras de máquinas”, como algumas têm preferido ser chamadas, muitos negócios têm migrado para pequenas cidades ao redor dos centros, ampliando ainda mais o raio do Polo.
Quem viu e viveu a transformação da última década foi o diretor presidente da Rota do Mar, Arnaldo Xavier. A empresa é um case nacional, considerada a maior de confecções do Estado e uma das maiores do Brasil. Com 18 anos, numa estrutura que também nasceu no quintal de casa, a companhia produz 1,4 milhão de peças por ano e emprega 1,2 mil pessoas. Focada em surf, casual e street wear e esportes de aventura, a Rota do Mar também contrata pequenas facções, todas formalizadas, e orienta processos produtivos e relações trabalhistas. A empresa deve fechar 2014 com um faturamento de cerca de R$ 40 milhões, um crescimento perto de 10% ante 2013. “Em 2015, vamos entrar no e-commerce e abrir duas lojas-conceito, em Pipa e Porto”, comemora Xavier.
Apesar do benefício tributário em Pernambuco, a carga ainda é elevada para quem é formalizado e impacta diretamente os negócios. A lei que trata do benefício fiscal é ampla (Lei 12431/2003). O diretor de tributação e orientação da Secretaria da Fazenda, Manoel Vasconcelos, destaca as possibilidades de redução da carga na base de cálculo ou por crédito presumido para quem atua com fios, tecidos, artigos de armarinho e confecções.
A diferença que faz a educação
Allan Carneiro, síndico do Moda Center, é paraibano. Mudou-se para Santa Cruz ainda adolescente, com a família, levando somente a mala e os móveis. Em casa, montaram uma pequena facção. Passaram anos na informalidade, assim como a família Silva, citada no início desta reportagem. A diferença é que Allan teve acesso à educação. Levantava às 7h, trabalhava com costura até as 16h, ia para a faculdade pública de contábeis em Campina Grande e retornava meia-noite de ônibus. Com capacitação e conhecimento no bolso, ele conseguiu montar uma pequena fábrica na cidade, a Zuzinha Kids – um investimento de R$ 400 mil com ajuda do BNDES –, e hoje emprega 22 funcionários, todos de carteira assinada.
Muitos deles já fizeram cursos gratuitos no Senai, como Zilda Leal, 21 anos, formada em produção de moda e técnica em vestuário. Ela entrou na Zuzinha como estagiária e hoje é quem faz a modelagem computadorizada das roupas. Desde 2010, os Senais de Caruaru e Santa Cruz formaram quase 63 mil pessoas na área têxtil e de vestuário, com índice de ocupação, nos últimos anos, de 60% e média salarial entre R$ 800 e R$ 1,1 mil. O Sebrae anunciou que irá investir R$ 15 milhões entre 2015 e 2018 no Agreste, entre consultorias e cursos de formação gerencial. “Pessoalmente, acho que, no Brasil, ou você educa, ou então você não muda”, pondera Mario Cesar, do Sebrae.
“O Polo se desenvolveu com um certo grau de autonomia do poder público e chegou a um ponto em que carece de várias infraestruturas que podem ser viabilizadas. Essa cultura está bem entranhada, mas parte do nosso trabalho é colocar o Estado como parceiro para ajudar no desenvolvimento, e não apenas com o papel do ônus fiscal e de regulação”, afirma o secretário-executivo de gestão do desenvolvimento, Felipe Chaves, da pasta de Desenvolvimento Econômico.
Para dar conta desses problemas e tentar solucionar essa complexa equação, o governo criou, em 2012, o Núcleo Gestor da Cadeia Têxtil e de Confecções, uma organização social (O.S.) com contrato de três anos, no valor de R$ 6,16 milhões. O objetivo é fomentar novos negócios, explorar novos mercados e elaborar estudos e pesquisas. Atualmente, dois projetos estão em foco: o Marco Pernambucano da Moda, no Recife Antigo, e o Programa de Inteligência Mercadológica. Além disso, o núcleo patrocina eventos como a Rodada de Negócios da Moda Pernambucana, que ocorre semestralmente em Caruaru. Sobre o atraso na entrega dos equipamentos do Marco, Chaves disse que serão entregues ainda neste mês, em parceria com a PetroquímicaSuape. Ele também anunciou que virão, em 2015, dois novos editais de incubação.
Polo Comercial de Caruaru comemora 10 anos
O ano de 2014 marca uma década de nascimento do Polo Comercial de Caruaru. O local, que emprega três mil pessoas, começou pequeno, com 180 operações, e hoje é formado por mais de 300 lojas, dos mais variados segmentos: vestuário, sapatos, acessórios, artigos em couro e artesanato. Cerca de 80% dos produtos comercializados são oriundas do Polo de Confecção do Agreste. São 64 mil m² de área coberta e 34 mil m² de Área Bruta Locável (ABL), com espaços para eventos, feiras, exposições e festas.
Pela importância que tem na região, o Polo tem atraído várias empresas e instituições como a Provider, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Universidade de Pernambuco (UPE), que mantêm centros de ensino no centro comercial. À frente do Polo de Caruaru, estão três sócios: Djalma Cintra, Alfredo Alves e Douglas Cintra. O superintendente, Henrique Camello, fala em outras novidades para o ano que vem.
Toritama também estruturou sua área de co
mercialização. O Parque das Feiras foi inaugurado em 2001. É um complexo de nove hectares que comporta mais de 700 boxes/lojas, com praça de alimentação e estacionamento para mais de 2 mil veículos. O Parque, assim como o Polo de Caruaru, fica às margens da BR-104.
Linha do tempo: da Feira da Sulanca ao Polo de Confecções
1970: Pernambuco era um grande produtor de algodão
1980: As primeiras peças de vestuário começaram a ser fabricadas pelas mulheres, com retalhos de tecidos
1990: A Feira da Sulanca começou a tomar as ruas. O termo "sulanca" quer dizer “helanca vinda do sul”
2000: Começam as obras do Moda Center Sta Cruz, com terreno doado pela prefeitura e investimento através de condomínio. Obras levaram 6 anos
2014: Moda Center é considerado o maior centro atacadista de vestuário do Brasil
Fonte:http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/economia/pernambuco/noticia/2014/12/14/polo-de-confeccoes-do-agreste-da-sulanca-a-industrializacao-160371.php
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