Estudo aponta que 70% dos pais deixam as famílias quando o filho nasce com alguma deficiência
Alfeu Tavares/Folha de Pernambuco
Daniele com Juan, que nasceu com microcefalia: “Ele (o marido) cobrava atenção”
Quando descobriu que o filho que iria dar à luz tinha microcefalia, aos quatro meses de gestação, a recepcionista Daniele Santos, 29, tinha algumas certezas: o nome, a gigantesca atenção que o filho iria requerer e o apoio do pai da criança, com quem se relacionava há dois anos. O menino se chama Juan, “o agraciado por Deus”, e tem a presença da mãe ao lado quase 24h por dia, como ela imaginava. Mas o companheiro saiu de casa antes da licença-maternidade de Daniele terminar. De acordo com estudo do Instituto Baresi, quase 70% dos pais brasileiros abandonam a família quando descobrem que um filho tem alguma deficiência.
“Um dia, acordei e ele já tinha colocado as coisas no carro”, lembrou. “Na noite anterior, ele chegou de um bico e eu não pude colocar a mesa e ajeitar o jantar, como ele estava acostumado na casa da mãe. Eu estava muito cansada e ainda cuidando de Juan. Ele me falou que estava chateado com essa falta de atenção e decidiu ir embora. Acredito que o choro incessante de Juan e o desemprego ajudaram a complicar a cabeça dele.”
Daniele recebe apoio dos pais e da comunidade. “Até minha outra filha, de 11 anos, entende a situação. Ela me ajuda, olhando o bebê enquanto ele está dormindo para que eu descanse, porque ele pode ter convulsões”, revelou. Mas sente falta do apoio específico que esperava do ex-companheiro. Sente falta da sua presença para enfrentar a situação. À noite, quando está sozinha e Juan continua chorando como habitual, é o pior período.
Essa é a história que Daniele conta sobre si, mas acaba falando por várias das mais de 1,6 mil mulheres que tiveram filhos com suspeita de microcefalia em Pernambuco nos três últimos meses. Para Sayaka Fukushima, coordenadora regional do Instituto Baresi, um fórum nacional para doenças raras, a maioria dos pais abandonam a família, principalmente, porque se assustam com o prognóstico das doenças.
Para eles, é tentador deixar o núcleo familiar e construir um novo, considerado ideal. “O maior vínculo que fica é o da mãe com a criança doente. Por isso há o abandono mesmo quando o filho com deficiência é o segundo ou o terceiro da família. Eles consideram que esse vínculo atrapalha o curso natural da família”, afirma Fukushima.
De acordo com a psicóloga do Cervac, Centro especializado na reabilitação de pessoas portadoras de deficiência intelectual, Camilia Oliveira, esse não é único motivo pelos quais os pais se afastam. “É incrível, mas a gente ainda ouve alguns pais que acreditam o bebê com deficiência é uma espécie de castigo. Alguns culpabilizam as mães, acham que elas fizeram algo errado na gestação para ele nascer com microcefalia”, expôs.
Alfeu Tavares/Folha de Pernambuco
Camila explica que há um investimento emocional muito grande durante a gestação. As mães imaginam o filho de uma determinada forma e o amam daquela maneira. “Quando o bebê nasce, é um choque. Há uma espécie de luto por aquele bebê que não nasceu. Por isso é importante ter o diagnóstico no início da gestação, para que haja tempo de se preparar e começar a amar o ‘novo’ filho. Mas há também um segundo luto, direcionado a ela mesma, à pessoa que ela não vai mais poder ser porque precisa se dedicar ao bebê. Muitas vezes ela se anula como mulher.” Perder o companheiro durante o processo, pode se transformar em um terceiro luto que ela precisa enfrentar.
O pai das cinco filhas de Rosilda Silva, 39, deixou a família quando primeira filha com síndrome de down nasceu, há nove anos. Afirmou que a menina não era dele. Sete anos depois, voltou para casa e a mulher engravidou novamente, de Thalyta, também portadora da síndrome. Rosilda foi, então, abandonada pela segunda vez. Ela começou a se relacionar com o marido quando tinha 11 anos. Ele, 14. “É muito difícil cuidar sozinha dos cinco filhos, da minha neta e do meu irmão, que tem uma doença mental e vive comigo. Mas atualmente acho que é melhor assim. Porque, se ele não me ajuda financeiramente, ao menos não vem ser mais um para gastar”, avalia. O ex-companheiro deposita R$ 300 mensais para Rosilda, quantia que ela soma ao que recebe do Bolsa Família.
Felipe Ribeiro/Folha de Pernambuco
Quando se tem apoio, fica bem mais fácil
Maria Paula Calazans, mãe de Mariana, bebê de quatro meses com microcefalia, não conhece o desamparo por parte do marido. Desde que ficou sabendo do diagnóstico da filha, aos oito meses de gestação, Maurício Calazans ficou ao seu lado. Para o casal, que já tem um filho de seis anos, a ideia de abandono não é admissível.
“Eu nunca deixaria a minha família porque minha filha nasceu com microcefalia. Exatamente porque esse é o momento que ela mais precisa de mim”, explica o pai de Mariana. O operador de máquinas aconselha as famílias a permanecerem juntas porque a união torna a superação mais fácil. “Ficamos muito abalados no começo. Nós dois. Mas hoje, quatro meses depois do nascimento, já estamos completamente estabilizados, tanto emocionalmente quanto em termos de rotina, de hábitos.”
Marcela Rodrigues, 19, só tomou conhecimento de que seu filho tinha microcefalia quando ele nasceu, há dois meses. “O camareiro falou espantado que meu filho tinha nascido doente. Fiquei desesperada. Só depois é que os médicos vieram me explicar o que estava acontecendo. Só fazia chorar durante as primeiras semanas.”, lembrou. Ela teve um apoio do marido que considera fundamental. “Ele reagiu bem e isso me ajudou a passar pelas dificuldades. Vi outras mães nos locais e participei de grupos com psicólogos, o que me acalmou. No começo, Pedro só parava de chorar no colo dele. Só passou a gostar do meu quando eu mudei da tristeza para a felicidade.”
Para o secretário nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Antônio Ferreira, é importante que, tanto pais quanto mães percebam que ter um filho portador de necessidades especiais não é uma tragédia. “As pessoas têm trazido a pauta do aborto novamente por causa do surto de microcefalia. Na verdade precisam de acesso à reabilitação o mais cedo possível, porque os resultados serão melhores e o filho com certeza poderá exercer sua cidadania, como temos constatado em diversos casos”, opinou.
Fonte:http://www.folhape.com.br/cotidiano/2016/2/no-momento-da-doenca-o-abandono-0467.html
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