segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Comissão da Verdade: a importância da análise histórica

Grupo tem o desafio de analisar, até junho de 2016, 52 casos de pessoas mortas ou desaparecidas entre 1946 e 1988 (Foto: Úrsula Freire/Folha de Pernambuco)
Por Alex Ribeiro
Do Blog da Folha
Um dos grandes desafios para a Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara é a análise documental. Desde que foi instalado, em 2012, o grupo teve uma grande repercussão e, por conta disso, recebeu fontes primárias não só de órgãos oficiais, como também de pessoas que participaram direta ou indiretamente da Ditadura Militar – principal período de investigação do colegiado. O cuidado nos trabalhos é juntar o quebra-cabeça dessas documentações, que muitas vezes foram alteradas com a retirada e o acréscimo de informações, ou até mesmo elaboradas com dados deturpados.
“Houve alguns arquivos incendiados, incêndio em caso fortuito. Houve a preocupação grande em alguns setores agora, como digo, que a gente chegou além do esperado. Conseguimos levantar documentos nunca imaginados, que não tinha (até então) tido rastro”, destacou o presidente da Comissão, Fernando Coelho, em entrevista ao Blog da Folha.
“Ainda no Governo Figueiredo eles tiveram tempo para mexer em muita coisa, apagaram rastros que queriam e depois, no governo depois de Sarney, que era o presidente da Arena (partido alinhado a Ditadura) ainda teve tempo de fazer muita coisa. A gente sabe que naquela época, em função dessa realidade, muita coisa ocorreu no Brasil. Houve naquela época, sem sombra de dúvida, preocupação em esconder pessoas que eram mais visadas. Se fizeram isso com pessoas, imaginem com documentações”, completou.
Apesar da dificuldade nas investigações, o colegiado conseguiu modificar as certidões de óbito de alguns casos.
“Pessoas que eram dadas mortas como suicídios, a gente tem conseguido provar que foram mortas por tortura, e a gente conseguiu na justiça reajustar o atestado de óbito. Onde havia na causa morte, suicídio, dizer que foi assassinado, conseguimos mudar a versão oficial”, afirmou Coelho.
Um desses casos é o do estudante Odijas Carvalho de Souza, morto em 1971, nas dependências do hospital da Polícia Militar de Pernambuco (PMPE), no Recife. O atestado indicou embolia pulmonar, mas, depois das investigações, a Comissão da Verdade conseguiu, através de solicitação encaminhada à justiça, mudar a causa morte como homicídio provocado por lesões corporais múltiplas decorrentes de atos de tortura.
“Está em tramitação o caso de Ezequias (Bezerra da Rocha). Ele foi morto um dia que esteve preso. A versão oficial é que ele fugiu, e trocou tiros com a polícia, e acabou morrendo. Dois dias depois um corpo foi encontrado em Escada, em um açude, envolvido em uma rede. O delegado da cidade levou o corpo para verificar as impressões digitais no Recife. Este ano a Comissão descobriu alguns laudos no IML. Pedimos para ser feita uma análise no lado do corpo que foi encontrado no açude. E a partir dai quando recebeu o laudo, soubemos que era de Ezequias. Vocês não imaginam o grau de violência que ele foi submetido. Uma coisa terrível. Entramos na justiça para retificar o estado de óbito. Ele foi morto pela tortura”, explicou Nadja Brayner, que também faz parte da Comissão da Verdade do Estado.
Mesmo com a provisoriedade das conclusões de algumas investigações, o colegiado tem certeza sobre o desfecho do caso da morte do Padre Henrique. Segundo Fernando Coelho, um relatório do Serviço Nacional de Informações relata a história do falecimento do religioso, apenas um mês depois do seu assassinato. O SNI era um órgão criado em 1964 que se notabilizava pela elaboração de dossiês de pessoas consideradas inimigas no regime militar.
Presidente da Comissão da Verdade, Fernando Coelho relatou que o grupo tem conseguido êxito em vários casos (Foto: Úrsula Freire/Folha de Pernambuco)
“Inclusive contando pessoas que participaram do sequestro e assassinato do padre, encaminhado ao Ministro da Justiça. Ele, ao invés de tomar alguma atitude, em vez de apurar e punir os responsáveis, ele mandou um procurador no gabinete dele, para interferir no inquérito que estava preferido, mudando as conclusões”, relatou.
Um dos instrumentos utilizados pela Comissão da Verdade são os depoimentos das pessoas que participaram ativamente na Ditadura Militar. O grupo confessa que a análise desse tipo de fonte precisa ser usada de forma cautelosa.
“Temos o maior cuidado. No caso de Fernando Santa Cruz (Irmão do vereador de Olinda, Marcelo Santa Cruz), a gente tem depoimento confessando que levaram o seu corpo para ser queimado. A confissão por si só não faz prova, tem que ser acompanhada pela prova documentada para ser harmônico. E, no caso de Fernando, há versões que seu corpo tinha sido jogado no mar”, comentou Fernando Coelho.
Com o pouco tempo ainda disponível, até junho de 2016, membros do grupo confessam que dificilmente analisarão os 52 casos de mortos e desaparecidos políticos pernambucanos que foram destinados para as investigações.
“Vamos deixar um material para a posteridade, para os futuros conseguirem analisarem. O que a gente conseguir descobrir ótimo, se não vai servir como desafio aos historiadores”, disse Coelho.
Até o momento, a Comissão da Verdade de Pernambuco realizou 79 sessões: 46 públicas e 33 reservadas. No total, foram 133 depoimentos colhidos.
Fonte:http://www.folhape.com.br/blogdafolha/?p=225781

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