sábado, 23 de junho de 2012

Milho, o ouro de junho

Como o cereal se tornou alimento símbolo das festas de São João 


Fotos: André Nery
O sexto mês do ano é, historicamente, conhecido por traduzir a alegria pela chegada da chuva em comidas saborosas

Fartura, prosperidade. De acordo com os estudos de simbologia, são esses os significados dados ao milho. De fato, para as comunidades do Interior de Pernambuco e outros estados do Nordeste, a espiga é a representação exata de tal signo. Mas, justo nesse espaço de seca, seus grãos amarelos eram muito mais; eram vistos como um sinal divino de trégua na secura que pairava sobre a Região o ano inteiro e morria, temporariamente, de março ao chamado ciclo junino, período que vai de 13 a 29 de junho. Era, portanto, um tempo de agradecimento, comemoração e vida.

Apesar de hoje a festa ter perdido um pouco do sentido de celebração religiosa, há algo que não mudou: a presença maciça das comidas típicas, principalmente as preparadas com o milho. Neste ano, no entanto, a seca atual, considerada a maior dos últimos 40 anos, pode amargar um pouco a sempre rica mesa junina, já que a mão (50 unidades) está com o preço nas alturas - cerca de R$ 30, na Ceasa. Nada que tire o brilho da festa, porém, que movimenta a maior parte dos municípios pernambucanos, do Recife a Petrolina.
Segundo Erick Buarque, especializado em Antropologia da Alimentação, professor universitário e chef de cozinha, a simbologia do milho vai mais além, remete à histórica mistura dos povos que se deu em território brasileiro. “O conceito das festas juninas, das festas de santo, é invenção dos portugueses. Isso vai ser trazido para cá e logo vai ser adaptado. Já as receitas (de pamonha, canjica, munguzá, por exemplo) surgiram das mãos das negras africanas, em meio à adaptação de pratos portugueses. Inclusive com técnicas e introdução de elementos, como o leite de coco. O produto vai ser apresentado pelos índios. É algo que representa bem, simbolicamente, a nossa cultura, porque é a miscigenação dos três povos”, explica o professor.

Fartura
 
Para um povo pobre, aquele do Agreste e Sertão pernambucano, que passava o ano inteiro com a fome na porta, as chuvas de março eram uma certeza: a safra do milho seria boa. E era justamente por isso que o Dia de São José, comemorado no décimo nono dia daquele mês, era (e continua sendo) um dia lendário. A superstição popular se afiava na crença de que, se chovesse no dia do santo, a safra do milho ia ser farta. Tal abundância poderia ser vista na mesa das festas de junho, três meses depois, que uniam a celebração aos santos (Santo Antônio, São João e São Pedro) e a comemoração da colheita.

Nas casas mais humildes, ou nas grandes festas de São João, a riqueza podia ser vista na variedade de pratos de cor amarela, como pamonha, cuscuz e canjica, todos preparados à base de milho. O amarelo remetia, é claro, ao ouro. Eram joias na mesa, servidas aos convidados como símbolo da fortuna (mesmo que temporária). Para reforçar a época de bonança, surgiam à mesa receitas como pé-de-moleque e arroz-doce, que não tinham o milho como ingrediente. “O milho é um produto cuja representatividade é forte para a cultura interiorana. Ele evidencia a mesa do agresteiro e do sertanejo porque trazia fartura. Economicamente, ele trazia dinheiro. Era o momento de você ter exageros à mesa, já que, durante o ano todo, tudo era muito apertado”, diz.

Segundo conta Erick Buarque, “aqui no Nordeste, a seca assolava e era uma dificuldade muito grande no transcorrer de todo o ano. Na época junina, o milho aparecia porque era a época de fertilidade. Isso era motivo de alegria, de riqueza”. “Muitas das grandes festas do Agreste e Sertão aconteciam no São João, quando circulava dinheiro. Era a época de celebrar a colheita, a lavoura, os santos, os grandes casamentos”, completa. A alimentação de subsistência, baseada em raízes, como mandioca, era substituída pelo mi­lho na estação chuvosa. “Quan­do chegava junho, era motivo para comemorar. Es­se período (de colheita) era capaz de gerar dinheiro para que se pudesse sobreviver durante vários meses”, explica o professor. Garantia de sobrevivência ou não, o ingrediente amarelo é o melhor representante da culinária junina, e, seja por motivo de agradecimento ou pura gula, é o ouro da gastronomia do nosso Interior, transbordando o calendário de fartura e delícia.

Fonte:http://www.folhape.com.br/cms/opencms/folhape/pt/cultura/sabores/arquivos/2011/outubro/0059.html

 

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