sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Comissão: Abelardo da Hora e Manoel Messias relatam abusos da ditadura


A Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara (CEMVDHC) realizou, nesta quinta-feira (21), em sua 24ª sessão pública, audiência para apurar as “Ocorrências no Meio Acadêmico e Cultural”. No evento, que ocorreu na sede da Ordem dos Advogados do Brasil seccional Pernambuco (OAB-PE), foram colhidos depoimentos do artista plástico Abelardo da Hora e do economista Manoel Messias. Ambos protagonizaram história cujo enredo é o forte esquema de repressão imposto pela ditadura militar, que culminou com a usurpação de direitos políticos.

“Certa vez, fui preso porque escrevi num muro a palavra paz, estava em minha casa, prestes a dormir. Essa prisão foi motivo de manchetes nos jornais”, afirmou Abelardo da Hora que, aos 89 anos, contabiliza mais de 70 prisões durante a ditadura. Integrante do Partido Comunista, foi taxado em relatório da Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco como autor de “obras antipatrióticas, idealismo fora dos princípios positivos e contra os legítimos direitos humanos. Diz ainda que era notoriamente comunista que rebentada a Revolução Democrática logo foi preso’”.

Com o Golpe, em 1964, Abelardo teve uma de suas obras – a Torre de Iluminação Cinética do bairro da Torre, no Recife – destruída pelos militares, que viam em sua escultura um caráter subversivo e alusivo ao comunismo.

“A essência da democracia é você dizer o que sente para o outro apreciar. Fiz uma escultura nomeada de ‘As Bestas do Apocalipse’ para ilustrar os monstros infiltrados nas forças militares”, arrematou. O artista contou ainda que, mesmo com a experiência política que teve, foi da arte expressionista que sempre sobreviveu construída à base de “amor e solidariedade”. Segundo ele, obras mostram a cultura do povo e também protestam contra as atrocidades e a miséria.

Manoel Messias foi o segundo a depor. “Certo dia, minha mãe perguntou-me: meu filho valeu a pena tanto sofrimento? Sim, derrotamos a ditadura, saímos vitoriosos, respondi”, afirmou. Secretário político do Partido Comunista Brasileiro em 1964, o economista, cientista político e professor, complementou que “os militares eram especialistas em mentiras, eles mesmos tomaram partido contra o povo. Tive a minha casa invadida e o piso escavado pelo Exército à procura de armas que teriam vindo de Cuba mas que nunca existiram”.

Companheiro de exílio do ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes, na Argélia, Manoel afirmou que em Caruaru, 1964, foi duramente torturado e espancado, “lembro que fiquei prostrado no chão, sangrando.” “Em seguida, fui trancado e esquecido numa cela com água até a altura dos joelhos. Lá fiquei esquecido por dias. Fui obrigado a confessar crimes jamais cometidos, como, por exemplo, de que queria colocar veneno na água para matar a população do município”, relatou. Messias foi mandando ainda para Escola de polícia, comissariado de Água Fria, Companhia da Guarda e, por fim, Casa de Detenção do Recife. Ele foi condenado a pena de 14 anos de prisão, mas conseguiu a liberdade por força de Habeas Corpus. Aconselhado por amigos decidiu deixar o Brasil. Morou no Uruguai, Chile, Argélia, Portugal e França.

Em detalhes, Messias falou do sentimento da repressão à época: “os militares tinham ranço de 1935 e estavam atrasados em relação à coexistência pacífica entre os regimes ameaçados pelas reformas e avanços da sociedade. Assim, partiram para rasgar a Constituição Federal e passaram a torturar e caçar todos os partidos políticos”, lembrou.

Durante a audiência, o economista trouxe para a CEMVDHC o relato de que a irmã dele, Maria do Carmo, à época com 15 anos, também engajada no movimento da União dos Estudantes Secundaristas de Caruaru, foi presa, naquela cidade. Hoje, ela mora em São Paulo e, segundo Messias, tem informações importantes de bastidores para repassar à Comissão sobre os dias em que ficou detida. O ex-presidente da OAB-PE, Henrique Mariano, que é membro da comissão, manifestou o interesse, corroborado pelos demais integrantes, de ouvi-la.

Ao final da sessão, uma das relatoras do caso, endossou: “tivemos importantes depoimentos de dois militantes do PCB. Percebemos, com o passar dos anos e a partir da análise de muitos estudiosos, que a repressão havia se dado porque alguns grupos passaram a lutar com armas e não apenas com propostas políticas”. E completou: “Mas, com as palavras de Messias e Abelardo, fica claro que a ditadura já se fez repressão no primeiro momento, simplesmente contra a democracia e a sociedade brasileira que estava organizadamente discutindo seus destinos”.

Atuam nas investigações os relatores do caso e membros da Comissão Áureo Bradley, Nadja Brayner e Socorro Ferraz, sob a presidência do coordenador da CEMVDHC, Fernando Coelho.


Nenhum comentário :

Postar um comentário